Conhecida inicialmente como Rita Ribeiro, cantora construiu uma carreira com 8 álbuns, apresentações internacionais e uma indicação para o Grammy, e criou uma identidade própria ao combinar recursos da música eletrônica com referências musicais e ritualísticas de raiz africana.
Renato Coelho - Jornal da Unesp
A maranhense Rita Benneditto é uma das principais vozes da música brasileira contemporânea, e referência das artes com inspiração na cultura afro-brasileira que se manifestam dentro e fora dos palcos. Sua carreira iniciou-se ainda nos anos 1980, quando usava o nome de Rita Ribeiro. Desdes então, já gravou 8 CDs, 2 DVDs e 4 singles, foi indicada para um grammy e continua construindo uma trajetória de sucesso.
Ela nasceu em 13 de junho de 1966, na cidade de São Benedito do Rio Preto, Maranhão, com o nome de Rita de Cássia Ribeiro. “Venho de uma família muito grande, somos 11 irmãos. Apesar de termos passado boa parte da nossa vida em São Luis, meus pais eram do interior do Maranhão. Somos a típica família grande nordestina”, diz. Ela conta que os pais nunca a proibiram de ir em busca de seus sonhos, porém “tinham aquele conceito de que os filhos precisavam receber uma formação: você vai estudar, ser médico, engenheiro, agrônomo etc.”, recorda.
Não havia músicos profissionais na família, mas o pai tocava violão, cavaquinho, banjo e até integrava uma banda de pau e corda. Mas, “por conta das dores e da necessidade das urgências da vida”, parou de tocar. “Vendo essa história, entendi que teria que correr atrás e a minha vida artística foi construída a partir da minha própria consciência. Na escola já me envolvia com arte, dança e fui sendo levada. A música me pegou e disse: ‘Filha, você nasceu para isso. Só tem de ter coragem e força de seguir’. Foi o que eu fiz.”
Ela começou a cantar por volta dos 15 anos de idade, participando de festivais e grupos vocais, e cantando nas noites de São Luís. Em 1986, morou no Chile. Lá integrou o Coro Sinfônico da Universidad de Chile e estudou canto erudito. No ano seguinte, de volta ao Brasil, conquistou o prêmio de melhor intérprete e segundo lugar no FUMP (Festival Universitário de Música), de Minas Gerais. Em 1989, apresentou seu primeiro show solo, Cunhã, no Teatro Municipal Arthur de Azevedo, na capital maranhense. A direção musical foi de Zeca Baleiro.
Já no início dos anos 1990, mudou-se para São Paulo e deu continuidade a sua carreira montando bandas e apresentando-se em inúmeros lugares. A possibilidade de gravar seu primeiro CD veio em 1997. Nessa época surgiu a gravadora Velas. Os criadores do novo selo, a famosa dupla de compositores Vitor Martins e Ivan Lins, convidaram Rita para gravar.
“Na verdade, éramos um trio morando em São Paulo, sobrevivendo e batalhando a história da vida artística. Eu, Zeca Baleiro e Chico César, que também se tornou um grande parceiro, sempre nos ajudando. O Zeca estava começando a produzir meu primeiro disco, mas estava também batalhando o disco dele. Não tinha tempo disponível, nem tanta experiência de produção profissional. Aí chamamos o Manga para somar. Ele era um cara irreverente de São Paulo, que eu conhecia da época do Premeditando o Breque, e que tinha experiência em produção”, diz. O álbum foi intitulado Rita Ribeiro, seu nome artístico à época. Ela o chama de “meu primeiro filho”. “Posso dizer que foi então que me profissionalizei, quando me tornei cantora, intérprete, compositora, recebi retorno do público e da crítica e me senti dona da minha história.”
Posteriormente, assinou contrato com a gravadora MZA Music, do produtor Marco Mazzola. E em 1999, gravou seu segundo CD, Pérolas aos Povos, ainda sob a produção musical de Mario Manga. O disco foi bem recebido pelo público e até pelo rádio. Neste mesmo ano, ao lado de Ney Matogrosso, Milton Nascimento, Zeca Baleiro e Chico César, apresentou-se na noite brasileira do Festival de Jazz de Montreux, na Suíça, e foi convidada para se apresentar no Festival Brasil-Caracas na Venezuela. Outro destaque foi sua participação no festival Todos os cantos do mundo, dividindo o palco com Lokua Kanza, grande nome da música pop africana.
“Pérolas aos Povos é uma continuidade sonora do primeiro álbum. Creio que tudo na vida seja uma continuidade. Entretanto, eu estava com uma gravadora bem maior, com muito mais projeção no mercado. Realmente, foi um momento de grande visibilidade. Recebi indicação ao Grammy Awards, na categoria de Melhor Álbum de Pop Rock. Eu estava lá ao lado da Shakira, disputando com o João Gilberto. Falei ‘gente, já ganhei o prêmio e eles nem sabem’ (risos)”, conta.
Nesse mesmo período, em 1999, os executivos da gravadora Putumayo World Music assistiram um show seu junto com Chico César no Programa Bem Brasil da TV Cultura, adoraram e a convidaram para uma turnê nos EUA e Canadá. “A gente se jogou nessa turnê. O pessoal da gravadora lançou esse trabalho em mais de 60 países onde atuavam”, diz.
No início dos anos 2000 ela gravou seu terceiro CD, Comigo. A obra foi produzida por Marco Mazzola, com coprodução da própria Rita e de Pedro Mangabeira. O álbum também trouxe alguns hits, mas foi em 2003 que veio a público um dos seus principais trabalhos, e que até hoje repercute, Tecnomacumba.
O projeto teve início na cidade do Rio de Janeiro, em shows que contaram com participações de nomes como Leci Brandão, Sandra de Sá e Marcos Susano. O show experimentou temporadas de grande sucesso em várias cidades brasileiras e recebeu o Prêmio Rival Petrobrás de Música na categoria Melhor Show. Veio então o álbum Tecnomacumba, gravado em estúdio em 2006, pelo selo Manaxica Produções em parceria com a gravadora Biscoito Fino.
“Na verdade, Tecnomacumba surgiu lá no início, quando gravei no meu primeiro disco a faixa O ponto da Jurema. Eu estava num terreiro lá no Maranhão, olhando a gira acontecer e falei: ‘Caramba! Olha que interessante, a catalização de energia de um ritual religioso’. No caso a umbanda, o candomblé, as religiões de matrizes africanas. O que faz a capitalização de energia é o som, a música e a dança ao som do tambor. O orixá, o caboclo, a entidade se manifestam a partir do toque, da cantiga e do canto. Eu transportei isso para um palco, transportei para uma rave, para uma discoteca, para uma noite de beat e dança”, conta.
Rita diz que quando estão em um show ou uma danceteria, as pessoas também são movidas por dois elementos de catalização, a música e a dança. Isso acontece independentemente do contexto em que elas estejam. “Você faz o corpo vibrar e a mente pensar. Achei que aquilo ia dar uma liga muito grande. Por que não trazer todo esse ritual para dentro de um espetáculo? Um palco com luzes, cenários, figurinos e arranjos diferenciados. Vou usar o que chamam de pontos cantados nos terreiros, aquelas cantigas que são tradicionais. Vou colocar músicas populares brasileiras, conhecidas do grande público. E vou botar isso num beat, porque o som do tambor sampleado é processado para soar com aquele groove de transe”, conta.
Essa é a origem do nome Tecnomacumba: uma referência ao uso de novas tecnologias para o processamento do som. “Quando lancei esse disco, a imprensa ficou querendo saber o que era aquilo, essa mistura do ponto da Cabocla Jurema com o beat eletrônico. Eu respondi: é a Tecnomacumba”, explica Rita.
O impacto do álbum foi tamanho em sua carreira que algumas canções continuam no repertório de seus shows vinte anos depois. Eventualmente, ela faz apresentações reproduzindo o álbum na íntegra. “Tenho o projeto há 20 anos, mas não foi fácil. Muita gente criticou. Familiares, amigos, até o dono de gravadora. Disseram que eu ia jogar minha carreira no lixo e ficar na ‘prateleira’ da macumba, entre outras coisas. Mas eu acreditei, e disse às pessoas que deixassem de ser preconceituosas pelo fato de que escolhi usar o nome macumba”, diz.
Rita diz que é adepta da religiosidade afro-brasileira, mas seu projeto não é converter ninguém. “Não sou apenas simpatizante, eu sou atuante nos terreiros. Além disso, digo que as pessoas precisam entender a história do Brasil. Nossa referência estrutural é direta do povo africano, dos povos originários. Precisamos parar de colocar as coisas debaixo do tapete e assumir. Só temos a ganhar”, diz.
Em 2012, Rita decidiu trocar seu nome artístico, de Rita Ribeiro para Rita Benneditto. A ideia foi homenagear seu pai, Fausto Benedito Ribeiro, sua cidade natal, São Benedito do Rio Preto (MA) e reverenciar São Benedito, um santo cristão negro, padroeiro das festas populares, especialmente do Tambor de Crioula do Maranhão.
Confira a entrevista completa no Podcast MPB Unesp.
27/10/2023, 17h57