Reverenciada nos círculos de cantadores e violeiros, Maria Pangula é um ícone da cultura oral brasileira; pesquisa resgata história dela e de outras mulheres na cantoria
Jornal da USP - 8/8/24
Texto: Tabita Said
Arte: Beatriz Haddad*
Na trilha da viola de Chica Barrosa, a pesquisadora foi encontrando caminhos abertos para que outras mulheres cantadeiras florescessem, na virada do século 20. “Depois, a sociedade vai se transformando e começam a surgir festivais de cantoria. E eu quero entender como se deu a entrada de mulheres nesse circuito, que até hoje é a forma mais comum de se estabelecer grandes encontros entre repentistas do País.” Mas, mesmo nestes festivais, a pesquisadora destaca que as mulheres ainda são minoria.
Entre o sertão escravista de Chica Barrosa e a dinâmica atual dos festivais de viola e repente, estava Maria Assunção do Senhor: a Maria Pangula. Considerada pioneira entre as mulheres do Piauí, Maria Pangula nasceu na cidade de Simplício Mendes, em 1918, e foi para a capital, Teresina, para trabalhar em uma casa de família. Sem nunca ter passado pela educação formal, ela aprendeu as cantorias e seguiu cantando e tocando até a velhice, quando passou a ser chamada de “Vovó Pangula”.
“A vó Pangula tocava batendo os dedos no tampo (da viola). Foi um dos baiões que, na época, eu achava melhor! Hoje não se usa mais ele”, conta Joaquim da Matta, poeta, repentista e pesquisador, em entrevista concedida a Mariana em sua pesquisa. Os encontros com ele, com outros repentistas e com a filha de Maria Pangula, a musicista e escritora Lina Ramos, estão registrados no vídeo Vozes Poéticas, disponível no Canal USP. Veja a seguir:
O registro da pesquisa de Mariana se inicia reforçando a importância da Casa do Cantador, inaugurada com a presença de diversos poetas e com os versos de Maria Pangula, convidada de honra, em 1985. O local abriga um rico acervo da arte e da música nordestina, e este ano sediará o grande Festival de Violeiros do Norte e Nordeste, marcado para acontecer entre os dias 19 e 20 de agosto.
“A Casa do Cantador é um dos mais importantes espaços culturais do Brasil em relação a esse universo da cultura popular da cantoria. Encontrei versos, antologias e publicações sobre ela e muitas outras mulheres negras que cantavam. Eu entrevistei pessoas que a conheceram, sua filha, que me mostrou fotos de família. Eu peguei a viola dela”, conta emocionada. Mariana também entrevistou o professor e pesquisador Cineas Santos, autor do único livro sobre Maria Pangula e amigo pessoal da repentista. “Ele enfatizou que Maria Pangula era muito admirada e participava dos festivais como convidada”, diz.
Seu jeito de projetar a voz grave é lembrado por muitos como o cantar de Clementina de Jesus. A pesquisadora da USP também lembra que as duas foram contemporâneas. “São mulheres do início do século 20 passando por questões que ainda restaram da escravidão, a condição da mulher negra naquela sociedade, sem acesso ao estudo. Essa postura da mulher que tem que chegar com muita garra para se impor naquele meio e ser respeitada”, destaca Mariana.