"Livro na estante não significa nada", defende escritora
Publicado em 20/07/2023 - 20:53 Por Vinícius Lisboa - Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro
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A cidade do Rio de Janeiro ganhou, nesta quinta-feira (20), um novo espaço cultural, resultado de projeto da escritora Conceição Evaristo. Ao longo dos últimos anos, a escritora vinha se preparando para um dia ter um lugar onde pudesse dispor do seu acervo bibliográfico e artístico. Assim surgiu a Casa Escrevivência, no Beco João Inácio, 4, Largo da Prainha, no bairro da Saúde, região portuária da capital. Uma sessão de autógrafos da escritora marca a inauguração nesta noite.
“É um projeto que eu vinha pensando a tempos. Nasce na medida em que eu vou construindo um acervo de livros e de cartazes, de folders, de moções honrosas, de prêmios. Isso foi tomando um espaço na minha lembrança e na minha memória e em um espaço físico também”, revelou em entrevista à Agência Brasil. A escritora conta que o acervo de livros foi o que mais a impulsionou.
Conceição Evaristo confessa que sentia um incômodo em ver todos aqueles livros na estante sem circular em outros locais.
“Livro na estante não significa nada. Ser um acervo para barata e cupim comer”.
Inicialmente, conforme relata, pensou em fazer uma biblioteca comunitária, mas o pensamento evoluiu. “O sonho foi amadurecendo e pensei nessa Casa Escrevivência. A parte principal seria mesmo essa biblioteca com o acervo de livros, que seria o pilar da Casa e mais um lugar onde guardasse uma série de outras publicações, teses de sensações, revistas de pesquisadores. Seria, então, essa biblioteca e esse centro de documentação, onde a pessoa que quisesse acessar ou fazer um estudo crítico da minha obra, tudo estaria nesta Casa Escrevivência”.
A escolha do local onde funcionará a Casa Escrevivência não foi à toa. A região é chamada de Pequena África, porque tem vários pontos simbólicos para a população preta. Bem perto está o Cais do Valongo, principal local de desembarque e comércio de pessoas negras escravizadas nas Américas. As estimativas indicam que um milhão de africanos tenha entrado no Brasil por meio do Valongo.
“É muito simbólico. A gente quis muito. Desde o projeto da Casa nós pensamos nesta geografia afetiva que tem a ver com a história negra. Essa região chamada Pequena África estar ali é celebrar a nossa lembrança de dor que a gente transforma em uma lembrança de resistência”, apontou.
Mais espaço
O futuro do projeto ainda pode ser maior. A escritora reconhece que o lugar atual ainda é pequeno, mas é o começo que vai permitir a divulgação do espaço cultural e a ideia é que um dia possa estar sediado em uma casa maior, onde possam ocorrer também exposições e lançamentos de livros.
“O espaço que temos no momento é um espaço que não cabem 15 pessoas dentro, na verdade é uma loja bem pequena", explica, "hoje é o espaço que nos permite jogar essa ideia na rua" conta. "Essa visitação e trabalho com o público, escolas, professores, pesquisadores que imaginamos, só vai poder acontecer quando tivermos um espaço físico que caiba essa movimentação”, afirmou, lembrando que o primeiro evento no local é a sessão de autógrafos dos seus livros na noite de hoje.
Para dinamizar a casa, mesmo sem ter ainda o espaço maior, a escritora disse que a equipe que trabalha voluntariamente na Casa Escrevivência vai começar a visitar escolas, realizar determinados eventos em outros espaços como o que ocorreu ontem (19) na Casa Rui Barbosa, em Botafogo, zona sul do Rio. “A nossa ideia é essa. Como a gente ainda não tem uma sede própria, é fazer parcerias com outras instituições e realizar as nossas atividades em outros espaços”.
A manutenção do projeto tem sido feita, de acordo com a escritora, com seus próprios recursos financeiros com apoio do Instituto Ibirapitanga, organização dedicada à defesa de liberdades e ao aprofundamento da democracia no Brasil. A intenção é também no futuro comprar um imóvel para servir de sede definitiva da Casa Escrevivência, que atualmente foi instalada em um local alugado.
“Agora implantando a Casa e o nome da Casa estando na rua, que é uma maneira também de chamar a atenção de instituições, que queiram nos ajudar, nós vamos começar a colocar um projeto na rua para conseguir fundos para comprar um imóvel”, revelou.
De acordo com a escritora, esse imóvel será uma casa e o motivo da opção é que quando houver a sede, o espaço cultural vai receber pesquisadores residentes e trabalhar com bolsistas de criação e de pesquisa. “Então, a gente precisa de uma casa moradia. Uma casa que ofereça essa possibilidade do projeto de acolher pessoas, que com bolsas fiquem estudando na Casa. O próximo passo vai ser isso, pôr o projeto na rua para angariar fundos. Nessa região a gente encontra casas para vender; são imóveis velhos, mas a gente faz uma reforma pensando também em acessibilidade”, explicou.
O encontro na Casa Rui Barbosa, citado pela escritora, foi um bate papo com o tema As escrevivências que nos aproximam. Além da escritora estavam presentes Jurema Werneck, presidente da Anistia Internacional, Erica Malunguinho, idealizadora do espaço Aparelha Luzia e ex-deputada estadual de São Paulo, com mediação da Doutora e professora universitária Fernanda Felisberto.
Edição: Aline Leal