Nosso relacionamento com Samantha Vitena Barbosa teve início em 2020, ano que ficou marcado pela pandemia de covid-19, pelo isolamento e diferentes formas de violências e violações que acometeram a população brasileira, em particular as mulheres e negros.
Apesar das dificuldades para realizar o diálogo e apoio para a população, em particular aqueles vítimas cotidianas do racismo e do sexismo, Anis e Geledés encontraram um caminho de continuidade de nosso compromisso com ações articuladas e de ampliação de possibilidades para estudantes negros e negras: por meio da Chamada para pesquisadoras negras e negros interessados em pleitear vagas em programas de pós-graduação – 2020, realizamos a troca de saberes e experiências entreprofessoras(es) tutoras(es) e candidatas negras que tinham como projeto de vida a entrada no mestrado ou doutorado, como um direito delas em integrar esse núcleo especializado de saber e uma forma de Anis e Geledés realizarem a justiça racial por meio da preparação para que elas pudessem superar uma das fases mais elitistas do processo para a pós graduação.
Dentre as selecionadas para a formação estava Samantha, naquele momento cientista social e bacharel em relações internacionais, disposta a pleitear uma vaga de mestrado, tendo por foco os temas Educação e Mudança Social; Educação e Justiça Social; Educação e Diversidade Racial. Para ela, o mestrado aportaria estratégias para a formação de professores, de forma a estarem cada vez mais preparados(as) para realizarem a reflexão e estratégias práticas para uma educação antirracista, de maneira que os professores não só abracem as diversidades presentes em sala de aula, mas saibam também lidar com as tensões que a diversidade proporciona. Em razão de seus compromissos, Samantha foi selecionada no mestrado da Fiocruz/RJ.
A crença de Samantha, em que é possível transformar uma sociedade racista como a brasileira e enfrentar a sua manifestação em todos os âmbitos foi confrontada com uma das formas mais violentas de expressão do racismo estrutural e da violência de gênero que marcam o cotidiano de mulheres negras, em particular nas instituições públicas e privadas. Em 28 de abril de 2023 ela sofreu um tratamento inadmissível em um voo da Gol Linhas Aéreas, tendo sido acusada pelo comandante da aeronave de causar tumulto, e forçada a se retirar do avião pela Polícia Federal sem qualquer explicação.
A violência sofrida por Samantha exige mais do que notas de repúdio, comunicado empresarial ou avaliação dos fatos pelo setor de compliance ou similares, tão comuns em situação de violência racial. A situação revela que cor e gênero permitem que mulheres negras tenham revogados os direitos expressos em orientações assumidas por todo o sistema de aviação, e possam ser consideradas causadoras de tumultos mesmo quando reivindicam os mesmos direitos reservados a todo e qualquer passageiro. Ser forçada a sair da aeronave e conduzida por
policiais federais é a mais perfeita forma de reafirmar a hierarquia racial e de gênero que marcam a sociedade brasileira.
Expressamos nosso repúdio à violência racista e de gênero sofrida por Samantha, exigimos que as instituições envolvidas se retratem e se pronunciem com a seriedade que a situação merece, e reivindicamos a realização de um debate ampliado sobre como o racismo e a violência contra mulheres negras se reproduzem.
Mais do que reconhecer ou pedir desculpas por situações de racismo, é urgente que empresas e instituições públicas efetivem práticas antirracistas efetivas no seu cotidiano, para que nenhuma outra pessoa ou mulher negra seja violentada durante seu retorno para casa após um dia de trabalho ou em qualquer espaço, seja ele público ou privado.
Suelaine Carneiro | Geledés – Instituto da Mulher Negra
Gabriela Rondon e Luciana Brito | Anis – Instituto de Bioética