Em todo o país, os números da violência de gênero contra a mulher revelam que as negras sofrem o dobro das agressões perpetradas contra as brancas
A violência contra a mulher, que fere de forma indelével sua dignidade humana e impede o seu pleno desenvolvimento, representa um dos maiores desafios para os direitos humanos na atualidade. E quando buscamos analisar a questão sob o prisma da interseccionalidade, constatamos a sobrecarga da opressão a que estão sujeitas as mulheres negras, discriminadas não apenas por seu gênero, mas por suas características sociais e étnico-raciais.
Em todo o país, os números da violência de gênero contra a mulher revelam que as negras sofrem o dobro das agressões perpetradas contra as brancas. Dos casos de violência física, às vias de fato e estupro, a proporção se repete. Nos casos de homicídios e feminicídios, a relação se amplia: as negras sofrem o triplo. Esse resultado é insofismável e demonstra a profunda correlação entre cor e etnia e a probabilidade de a mulher negra sofrer violência.
Conclui-se ser indispensável que o Estado invista em ações que previnam, coíbam e punam todo tipo de preconceito e discriminação. Incluir como obrigatória a disciplina de direitos humanos nos currículos escolares é apenas um exemplo a ser implantado, possibilitando o desenvolvimento de uma formação mais humanista, que cultive a diversidade em suas múltiplas formas, a tolerância e a cultura da paz como elementos indispensáveis a um Estado Democrático de Direito. Da mesma maneira, os programas de formação e capacitação profissional dos operadores do direito, promotores, defensores públicos, magistrados e respectivos servidores propiciarão maior sensibilização desses agentes públicos para a realidade de proteção e suporte às mulheres negras, em especial às vítimas de violência.
É urgente a implementação de alternativas eficazes que alterem o estado de vulnerabilidade em que se encontram essas mulheres, dando concretude aos direitos contidos na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres. É também imperioso facilitar às comunidades quilombolas e aos bairros periféricos o acesso ao sistema de justiça que atua no combate à violência de gênero, considerando a situação de vulnerabilidade das mulheres negras.
Mesmo com instrumentos legais eficientes, a falta de uniformidade de informações nos sistemas processuais do país, que nem sempre têm campo de gênero e raça, dificulta que a proteção para mulheres negras seja semelhante à de mulheres brancas. A inserção do elemento raça em todos os órgãos que trabalhem com a temática da violência de gênero nos ajudará concretamente a dimensionar as fragilidades desse segmento e atuar numa linha mais prospectiva e de maior suporte.
É de fundamental importância também disseminar na sociedade e, em especial, junto às mulheres negras informações sobre racismo, sexismo e classismo, fomentando a discussão desses temas, para que se torne público o sofrimento experimentado no ambiente privado, dando visibilidade aos conflitos nele estabelecidos e aos canais de atendimento e de suporte às vítimas de violência.
Assim tematizadas, as violações constantes de direitos poderão ser objeto de pesquisa, contempladas nas leis e por políticas públicas, mas, acima de tudo, impulsionarão novas formas de coibir, prevenir e punir todos os tipos de preconceito, discriminação e outras violências, sejam eles arraigados ou novos.
Na caminhada histórica pela conquista dos direitos civis, as mulheres traçaram suas próprias trajetórias, sendo as mais exitosas as que foram fruto da junção de esforços para a concretização desses objetivos. Nesse sentido, é essencial dar o destaque merecido e a devida importância ao movimento que clama por uma maior presença de mulheres negras no nosso Judiciário, que será tanto mais efetivo na promoção da justiça quanto mais diverso for em sua composição.
Por fim, é fundamental que o movimento de mulheres negras, bem como os órgãos e as instituições incumbidos da defesa desses direitos, prossigam vigilantes e atuantes, diante de tempos de intolerância e retrocesso no que diz respeito a minorias e grupos vulneráveis, para que, efetivamente, a igualdade de gênero, a social e a étnico-racial sejam uma realidade.