Quase lá: Subfinanciamento de campanha eleitoral de mulheres versus compra de voto institucionalizada para favorecer homens

Em “Swiss Democracy”, Wolf Linder faz um questionamento sobre se dinheiro e propaganda “compram votos”.  Essa é uma das perguntas que deve nortear as análises a respeito do subfinanciamento de campanha de mulheres como um dos gargalos para que mulheres candidatas tenham tamanha dificuldade de se elegerem. 

Absolutamente não é sobre comprar voto, mas sobre conquistar votos. O autor em comento, que é professor  de ciência política e diretor do Institute of Political Science at the University of Bern, apresenta um estudo desenvolvido por Gruner e Hertig que demonstra evidências empíricas consideradas preocupantes, já que entre as opiniões de autoridades, lideranças, políticos e recomendações de partidos, os eleitores acabam por lembrar mais dos slogans das propagandas políticas e são elas as norteadoras de suas decisões na hora do voto.

Assim, esse estudo conclui que não é possível dizer que as pessoas votam mais por slogans do que por argumentos, mas que a propaganda, que é uma das fortes frentes de uma campanha eleitoral, exerce grande influência na hora do voto. Por isso, é possível dizer que uma campanha eleitoral sem investimento financeiro pode não ser tão capaz de conquistar votos do que uma com investimento considerável.

Para fazer campanha eleitoral é preciso ter dinheiro e exatamente por isso que existe o fundo de financiamento de campanha.  Assim, enquanto os recursos destinados ao financiamento de campanhas, que é o momento onde é possível fazer propaganda eleitoral, como lançamento de slogans, por exemplo, estiver hiper direcionado para homens brancos cis héteros e sub direcionado para campanha de mulheres, sobretudo as negras, indígenas, quilombolas, LGBT+ e PCD estaremos sempre diante de uma espécie de compra de votos institucionalizada, haja vista que o Fundo Especial de Financiamento de Campanha é dinheiro público e tem sido utilizado majoritariamente a serviço das campanhas eleitoriais dos homens brancos cis hétero, contribuindo para manter mulheres, sobretudo negras, cada vez mais distantes de alcançar vitória numa campanha eleitoral para assumir um cargo eletivo.

Nessa linha de pensamento é plenamente viável sinalizar que os casos de subfinanciamento de campanhas eleitorais de mulheres em prol de hiper financiamento de campanha eleitorais de homens estão no âmbito da violência política econômica de gênero.

Tal como o aprimoramento da Lei Maria da Penha que ao passar dos anos foi sendo alterada para incluir outros tipos de violência doméstica contra a mulher para além da violência física, o mesmo deve ser feito com relação a violência política de gênero e raça.

As leis precisam ser dinâmicas, acompanhando os interesses de nossa sociedade. E esses interesses também são dinâmicos conforme nossa sociedade encontra lacunas, que são vácuos que precisam ser substituídos por regulação, como é o caso do subfinanciamento de campanhas eleitorais de mulheres que deve figurar na Lei 14.192/2021 como violência política econômica de gênero.

Ademais, para não restar questionamentos e tampouco interpretações jurídicas equivocadas partindo de quem não conhece o espírito da lei de violência política de gênero, é que também em sua alteração para fazer constar a violência política econômica de gênero é que a própria lei deve dispor sobre o conceito desta violência.

O Art 3 da mencionada lei é muito genérico ao dispor sobre o rol exemplificativo de ações a serem consideradas violências políticas de gênero, e ainda mais problemático quando coloca a “finalidade” como condição para que a ação ou a omissão que impeça, obstaculize ou restrinja direitos políticos das mulheres sejam consideradas violências políticas de gênero e raça. 

Isso porque “finalidade” , no direito, é sobre um objetivo que se pretende alcançar. Ou seja, se a pessoa acusada de violência política de gênero alegar que sua ação ou omissão não tinha o objetivo de impedir, obstaculizar ou restringir direitos políticos das mulheres, então não haverá que se falar em punição, porque se trata de um crime que só poderá ser admitido se cometido com dolo. 

Como ao falarmos de violência política de gênero estamos falando de uma violência estrutural amparada pela divisão sexual e racial do trabalho e, portanto, de uma cultura machista e misógina, é preciso cuidado para não cairmos nos pormenores das análises jurídicas daqueles que representam o retrato do poder do Judiciário, que tal como aqueles que representam o retrato do poder no campo político são homens.

É preciso garantir que não haverá interpretação que justifique uma violência política econômica de gênero sob a égide de que se trata de uma circunstância estrutural ou institucional que não pode recair a um indivíduo. É preciso que as pessoas sejam responsabilizadas. É preciso que haja punição. Temos experiências empíricas a respeito de leis que pretendem proteger os direitos políticos das mulheres e que não foram observadas porque não existia qualquer tipo de punição pela sua inobservação. 

cartilha publicada pel’A Tenda das Candidatas Instituto em sua campanha contra a PEC 9/23, e que apresenta uma linha do tempo a respeito das ações afirmativas pelos direitos políticos das mulheres e que não foram cumpridas é um bom exemplo para que possamos defender com bastante firmeza que, sim, no que diz respeito aos direitos políticos das mulheres é preciso vigiar e punir. 

Genebra, 27 de setembro de 2024

Referências:

LINDER, Wolf. Swiss Democracy: Possible solutions conflict in multicultural societies. 2a. edição. New York: NY. Palgrave Macmillan. 1998. 

A TENDA DAS CANDIDATAS INSTITUTO .

Disponível em : https://atendadascandidatas.org/wp-content/uploads/2024/04/Cartilha-2.pdf

Quem escreveu

Laura Astrolabio
Co-diretora executiva e co-fundadora d'A Tenda das Candidatas. Advogada, especialista lato sensu em direito público, tendo atuado como advogada do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFRJ (2005-2018), mestre em políticas públicas em direitos humanos do NEPP-DH-UFRJ, pesquisa democracia, relações étnico-raciais, gênero, representação política, políticas públicas e sub-representação de mulheres na política, autora do livro "Vencer na vida como ideologia : meritocracia , heroísmo e ações afirmativas". Co-autora dos livros "Tem saída ? Ensaios críticos sobre o Brasil" e "A Constituição por elas". Articuladora política do movimento Mulheres Negras Decidem.
 

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